domingo, 5 de setembro de 2021

Perseguição

 


         Sou, pelo lado materno familiar, Bomfim, isso mesmo, com eme de Maria no bom e no fim. É uma turma que veio do sul da Bahia e fixou raízes no Espírito Santo e em Minas Gerais, com inúmeras ramificações posteriores através dos casamentos ocorridos. Italianos nos primórdios, que depois colocaram um pé na cozinha.

 

         No período de chumbo da ditadura militar, do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974, um primo de minha mãe, advogado de renome em Belo Horizonte, mas que já pertencia ao Partido Comunista desde antes do golpe de 64, passou à clandestinidade.

 

         Ele tinha se mudado para o Rio de Janeiro, onde exercia a Advocacia e mantinha sua militância. Dizem os familiares ainda vivos que depois de Luís Carlos Prestes esse Bomfim era o mais importante na hierarquia do partidão. Quando teve que se esconder, a mulher e os filhos sofreram com a vigilância implacável dos agentes governamentais.

 

         As filhas, por exemplo, ao saírem de casa para a escola ou trabalho, eram seguidas. O medo de um “desaparecimento” era tanto que elas tinham que avisar em que lugar estavam todo o tempo, e isso numa época em que não havia celular, somente telefone fixo. Às vezes, alguém telefonava para a casa deles se dizendo “refugiado” e que tinha uma informação importante para o líder comunista, querendo saber o paradeiro dele. Tudo mentira, óbvio.

 

         Numa ocasião, dois sobrinhos capixabas, que não tinham nada a ver com a situação, indo visitar as primas em Belzonte, foram presos. A tia procurou-os na cadeia da cidade, para levar alimento, e foi ameaçada pelo delegado: “Com um sobrenome desse é muita coragem vir até aqui”.

 

         A mãe desse Bomfim, senhora já com mais de 80 anos, morava com uma filha num sobrado da rua Graciano Neves, em Vitória. Um dia, ela comentou que tinha visto o filho. Um carro preto havia parado em frente à casa, onde ela passava horas na varanda apreciando o movimento, e fora levada até onde o primogênito estava, onde conversaram por aproximadamente duas horas. Ninguém acreditou. Mais à frente, falou que tinha-o encontrado novamente, do mesmo jeito. Acharam que ela estava imaginando coisas. Depois, descobriu-se que era verdade.

 

         Bomfim, contudo, não conseguiu se esconder por muito tempo. Foi encontrado, preso e torturado. Morreu na cadeia. Como era costume dos algozes, não respondeu a nenhum processo, e nem teve direito à defesa. Nenhum comunicado à família. Seu corpo, nunca localizado, foi esquartejado, conforme depoimentos de companheiros de cela que conseguiram sobreviver.

 

         Pois bem. Em pleno século 21, no mundo digital da inclusão e da aceitação das diferenças, Pindorama parece ter saudades de tempos mais duros, onde só um lado era detentor da verdade. Anuncia-se que a partir do próximo 7 de setembro, às vésperas do bicentenário da independência do Brasil, o país voltará aos eixos e todos que forem contrário serão “enquadrados”.

 

         Espero que não. Espero que possamos encontrar um jeito de manter o equilíbrio, e que vidas preciosas sejam preservadas. Bastam as mais de 580 mil levadas pela pandemia do coronavírus. Não sou lulista e nem bolsonarista. Sou apenas um Bomfim preocupado com a (im)provável repetição de erros passados.

 

         Que o ódio destilado por ambos os lados nessa disputa de interesses meramente pessoais e de grupos possa evaporar e sublimar em dias melhores para todos.

 

Ninguém merece uma segunda ditadura na mesma geração. Fala sério!

Nenhum comentário:

Postar um comentário