Sou, pelo lado materno familiar,
Bomfim, isso mesmo, com eme de Maria no bom e no fim. É uma turma que veio do
sul da Bahia e fixou raízes no Espírito Santo e em Minas Gerais, com inúmeras
ramificações posteriores através dos casamentos ocorridos. Italianos nos
primórdios, que depois colocaram um pé na cozinha.
No período de chumbo da ditadura militar,
do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro
daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974, um primo de minha
mãe, advogado de renome em Belo Horizonte, mas que já pertencia ao Partido
Comunista desde antes do golpe de 64, passou à clandestinidade.
Ele tinha se
mudado para o Rio de Janeiro, onde exercia a Advocacia e mantinha sua
militância. Dizem os familiares ainda vivos que depois de Luís Carlos Prestes esse
Bomfim era o mais importante na hierarquia do partidão. Quando teve que se
esconder, a mulher e os filhos sofreram com a vigilância implacável dos agentes
governamentais.
As filhas,
por exemplo, ao saírem de casa para a escola ou trabalho, eram seguidas. O medo
de um “desaparecimento” era tanto que elas tinham que avisar em que lugar
estavam todo o tempo, e isso numa época em que não havia celular, somente
telefone fixo. Às vezes, alguém telefonava para a casa deles se dizendo “refugiado”
e que tinha uma informação importante para o líder comunista, querendo saber o
paradeiro dele. Tudo mentira, óbvio.
Numa ocasião,
dois sobrinhos capixabas, que não tinham nada a ver com a situação, indo
visitar as primas em Belzonte, foram presos. A tia procurou-os na cadeia da
cidade, para levar alimento, e foi ameaçada pelo delegado: “Com um sobrenome
desse é muita coragem vir até aqui”.
A mãe desse
Bomfim, senhora já com mais de 80 anos, morava com uma filha num sobrado da rua
Graciano Neves, em Vitória. Um dia, ela comentou que tinha visto o filho. Um
carro preto havia parado em frente à casa, onde ela passava horas na varanda
apreciando o movimento, e fora levada até onde o primogênito estava, onde
conversaram por aproximadamente duas horas. Ninguém acreditou. Mais à frente,
falou que tinha-o encontrado novamente, do mesmo jeito. Acharam que ela estava
imaginando coisas. Depois, descobriu-se que era verdade.
Bomfim,
contudo, não conseguiu se esconder por muito tempo. Foi encontrado, preso e
torturado. Morreu na cadeia. Como era costume dos algozes, não respondeu a
nenhum processo, e nem teve direito à defesa. Nenhum comunicado à família. Seu
corpo, nunca localizado, foi esquartejado, conforme depoimentos de companheiros
de cela que conseguiram sobreviver.
Pois bem. Em
pleno século 21, no mundo digital da inclusão e da aceitação das diferenças, Pindorama
parece ter saudades de tempos mais duros, onde só um lado era detentor da
verdade. Anuncia-se que a partir do próximo 7 de setembro, às vésperas do
bicentenário da independência do Brasil, o país voltará aos eixos e todos que
forem contrário serão “enquadrados”.
Espero que
não. Espero que possamos encontrar um jeito de manter o equilíbrio, e que vidas
preciosas sejam preservadas. Bastam as mais de 580 mil levadas pela pandemia do
coronavírus. Não sou lulista e nem bolsonarista. Sou apenas um Bomfim
preocupado com a (im)provável repetição de erros passados.
Que o ódio
destilado por ambos os lados nessa disputa de interesses meramente pessoais e
de grupos possa evaporar e sublimar em dias melhores para todos.
Ninguém merece uma
segunda ditadura na mesma geração. Fala sério!
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