segunda-feira, 5 de julho de 2021

Dentista prático

 


         Antigamente, muitas profissões não eram regulamentadas. As pessoas se tornavam jornalistas, contadores, odontólogos e inúmeras atividades profissionais somente com o aprendizado com outros mais antigos que também não tinham diplomas.

 

         Uma das figuras mais conhecidas daquele período era a do dentista prático. Muitas cidades tinham o seu, sem esquecer daquele mais famoso, o Mártir da Independência Joaquim José da Silva Xavier, o popular Tiradentes, atualmente considerado o Patrono da Odontologia.

 

         Numa pequena urbe amazônica destacou-se o “doutor” Alfredo Magalhães, conhecido por Alfredinho. Ele era garimpeiro numa mina de cassiterita em Mapuera, no Amazonas, em uma localidade de nome Pitinga. Cansado da árdua tarefa pouco lucrativa de tirar das entranhas do solo o minério de estanho, resolveu mudar de ofício.

 

         Tinha ficado amigo do dentista prático que atuava na região e, num belo dia, perguntou:

 

         - Rui, é difícil ser dentista?

 

         - Nada, é a coisa fácil do mundo.

 

         - Me ensina?

 

         - Na hora.

 

         Sem pensar duas vezes, jogou fora a pá de garimpeiro e começou a aprender a nova ocupação.

 

         Depois de poucos meses, já dominava os fundamentos básicos principais, ganhou do professor uns “ferros” e foi procurar outra vila onde não houvesse concorrência. Lá, formou uma ampla clientela, pois, conforme diz o ditado, “em terra de cego, quem tem um olho é rei”. O negócio ia de vento em popa.

 

         Pode-se dizer que inovou nos métodos terapêuticos. Basicamente, fazia somente extração de dentes. Colocava os pacientes um ao lado do outro. Vinha com a seringa de ponta de ferro cheia de anestesia e ia aplicando um pouco em cada boca (autoclave, esterilização nem pensar).

 

         Quando chegava no último, o primeiro já estava anestesiado e pronto para encarar o boticão e mostrar a raiz do dente para o sol. Verdadeira linha de montagem, ou desmontagem, dependendo do ponto de vista.

 

         Com o tempo, arrumou melhor a saleta e passou a atender individualmente. Um pequeno biombo separava a sala de espera do consultório. Em determinada ocasião, duas moças aguardavam atendimento e debatiam.

 

         - Será que ele é formado? – questionou uma delas.

 

         - Claro que é – respondeu a outra.

 

         - Eu acho que não – replicou a incrédula.

 

         Quando chegou a vez delas, a que tinha dúvidas foi logo perguntando:

 

         - Doutor Alfredinho, o senhor é formado?

 

         O prático, que tinha ouvido a conversa por cima da abertura do anteparo, fez aquela pose de quem tem tudo no mais absoluto controle e devolveu o questionamento:

 

         - A senhorita já ouviu falar na Universidade Federal de Pitinga?

 

         - Não – balbuciou a jovem.

 

         - Pois foi lá que me formei.

 

         A colega imediatamente deu uma cotovelada na amiga:

 

         - Eu não disse que ele era formado.

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