Mais uma crônica da série do que está além da
imaginação.
A
barriga sem fundo
Coriolano labutava naquele seringal nos
confins do mundo já tinha quase cinco anos. Além do corte das seringueiras,
mantinha um roçado de subsistência e criava uns poucos animais. Ainda bem que a
caça era abundante. Carne, pelo menos, não faltava.
Contudo, na época do verão amazônico,
quando não chovia e os rios secavam, tinha a oportunidade de ganhar uns
trocados a mais para poder pagar as contas no barracão. A vazão menor das águas
permitia o surgimento de lindas praias de areia branca e fina. Ali, debaixo do
sol escaldante, ele plantava melancia.
Colhidas as frutas, colocava-as numa
pequena canoa e ia vendê-las nos locais de encontro dos seringueiros,
geralmente em dias de festas ou quando todos iam se reunir com o gerente do
seringal para entregar a borracha defumada e receber o saldo a que tivessem
direito.
Naquela manhã calorenta, ao encostar no
barranco, avistou um seringueiro conhecido de todos por suas brincadeiras e o
jeito bonachão de se divertir. Era chamado de Baiano. Começou a descarregar
suas melancias, e percebeu que o colega de profissão estava se aproximando.
Baiano disse que estava com muita
vontade de comer melancia e perguntou por quanto ele venderia a totalidade da
produção. Meio sem graça, Coriolano não entendeu a proposta e nem respondeu,
dando continuidade ao trabalho. O caucheiro brincalhão não se fez de rogado e propôs
uma aposta: se ele comesse todas as melancias que estavam na canoa não pagaria
nada; caso contrário, daria o dobro do valor.
Ora, aquilo era mais fácil do que tirar
doce de criança. Coriolano não pensou duas vezes e topou a aposta. Baiano,
então, ajeitou um lugar para se sentar, arrumou uma colher e pediu a um rapaz
que estava próximo que fosse cortando as melancias em banda. Pausadamente, deu
início à, digamos, degustação.
A notícia correu rápido e as pessoas
foram se aproximando para ver o acontecimento, coisa rara num lugar onde pouca
coisa de novo se vivenciava. A cada metade da fruta comida, a casca oca era
colocada de lado. Depois das cinco primeiras melancias, Coriolano começou a
ficar preocupado e percebeu que a coisa não seria tão tranquila como tinha
imaginado.
De determinado momento em diante, quem
estava próximo começou a sentir vontade irresistível de urinar, enquanto Baiano,
calmamente, cumpriu a empreita e comeu todas as frutas que estavam na canoa.
Cabisbaixo, Coriolano buscava um jeito de se
conformar com o prejuízo, mas Baiano que além de bem-humorado zelava por não
prejudicar ninguém, puxou do bolso parte do dinheiro que tinha apurado com o
látex entregue ao seringalista e pagou todas as melancias que tinha comido, uma
por uma.
Dias depois, em visita a um vilarejo próximo,
onde sua fama de barriga sem fundo tinha se espalhado, Baiano deu outra
demonstração de sua enorme capacidade alimentar. Na hora do almoço, foi à única
pensão da localidade e pediu “comida para homem comer”.
O proprietário trouxe arroz, feijão e uns
pedaços de carne de porco do mato. Baiano passou tudo para dentro e pediu mais.
Já invocado, o hoteleiro colocou em cima da mesa tudo o que tinha nas panelas,
que daria para uns cinco ou mais homens comerem. Pois, para espanto geral,
Baiano não deixou nem um pedacinho de sobra.
Na conclusão, como quem faz um gran finale,
pediu água. Imaginando que a sede dele fosse proporcional à fome, o dono da
hospedaria foi até o igarapé que cortava o fundo do quintal de seu comércio e
encheu uma lata vazia de querosene com 18 litros que Baiano bebeu de um fôlego
só.
E nem arrotou.
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