terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Será - Parte 3



       Mais uma crônica da série do que está além da imaginação.

A barriga sem fundo

        Coriolano labutava naquele seringal nos confins do mundo já tinha quase cinco anos. Além do corte das seringueiras, mantinha um roçado de subsistência e criava uns poucos animais. Ainda bem que a caça era abundante. Carne, pelo menos, não faltava.

        Contudo, na época do verão amazônico, quando não chovia e os rios secavam, tinha a oportunidade de ganhar uns trocados a mais para poder pagar as contas no barracão. A vazão menor das águas permitia o surgimento de lindas praias de areia branca e fina. Ali, debaixo do sol escaldante, ele plantava melancia.

        Colhidas as frutas, colocava-as numa pequena canoa e ia vendê-las nos locais de encontro dos seringueiros, geralmente em dias de festas ou quando todos iam se reunir com o gerente do seringal para entregar a borracha defumada e receber o saldo a que tivessem direito.

        Naquela manhã calorenta, ao encostar no barranco, avistou um seringueiro conhecido de todos por suas brincadeiras e o jeito bonachão de se divertir. Era chamado de Baiano. Começou a descarregar suas melancias, e percebeu que o colega de profissão estava se aproximando.

        Baiano disse que estava com muita vontade de comer melancia e perguntou por quanto ele venderia a totalidade da produção. Meio sem graça, Coriolano não entendeu a proposta e nem respondeu, dando continuidade ao trabalho. O caucheiro brincalhão não se fez de rogado e propôs uma aposta: se ele comesse todas as melancias que estavam na canoa não pagaria nada; caso contrário, daria o dobro do valor.

        Ora, aquilo era mais fácil do que tirar doce de criança. Coriolano não pensou duas vezes e topou a aposta. Baiano, então, ajeitou um lugar para se sentar, arrumou uma colher e pediu a um rapaz que estava próximo que fosse cortando as melancias em banda. Pausadamente, deu início à, digamos, degustação.

        A notícia correu rápido e as pessoas foram se aproximando para ver o acontecimento, coisa rara num lugar onde pouca coisa de novo se vivenciava. A cada metade da fruta comida, a casca oca era colocada de lado. Depois das cinco primeiras melancias, Coriolano começou a ficar preocupado e percebeu que a coisa não seria tão tranquila como tinha imaginado.

        De determinado momento em diante, quem estava próximo começou a sentir vontade irresistível de urinar, enquanto Baiano, calmamente, cumpriu a empreita e comeu todas as frutas que estavam na canoa.

Cabisbaixo, Coriolano buscava um jeito de se conformar com o prejuízo, mas Baiano que além de bem-humorado zelava por não prejudicar ninguém, puxou do bolso parte do dinheiro que tinha apurado com o látex entregue ao seringalista e pagou todas as melancias que tinha comido, uma por uma.

Dias depois, em visita a um vilarejo próximo, onde sua fama de barriga sem fundo tinha se espalhado, Baiano deu outra demonstração de sua enorme capacidade alimentar. Na hora do almoço, foi à única pensão da localidade e pediu “comida para homem comer”.

O proprietário trouxe arroz, feijão e uns pedaços de carne de porco do mato. Baiano passou tudo para dentro e pediu mais. Já invocado, o hoteleiro colocou em cima da mesa tudo o que tinha nas panelas, que daria para uns cinco ou mais homens comerem. Pois, para espanto geral, Baiano não deixou nem um pedacinho de sobra.

Na conclusão, como quem faz um gran finale, pediu água. Imaginando que a sede dele fosse proporcional à fome, o dono da hospedaria foi até o igarapé que cortava o fundo do quintal de seu comércio e encheu uma lata vazia de querosene com 18 litros que Baiano bebeu de um fôlego só.

E nem arrotou.
       

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