Quem gosta de sofrer?
Ninguém é a resposta mais provável.
Muita gente parece carregar o mundo nas
costas, assumindo responsabilidades como se fosse a única pessoa em bilhões
capaz de resolver alguma coisa, parecendo que nenhum outro ser humano pode
cumprir determinado encargo, e se o fizer não será da maneira correta.
A ilusão de ser melhor e mais capaz do
que seu vizinho de caminhada planetária permeia o cotidiano daqueles que sofrem
sem saber os reais motivos. Culpam as estrelas por tudo que acontece, e não
olham para o próprio rastro maculado pela imperfeição que acreditam que só
esteja presente em terceiros supostamente incapazes.
Dessa maneira vivia aquela mulher. Com
pouco mais de 30 anos sua expressão sombria não conseguia esconder toda a carga
que lhe encurvava os ombros. Não tinha um dia de paz. Aparentemente mantinha o
controle das situações, mas sua raiva incontida denotava a aflição subterrânea
prestes a explodir, em palavras e atos, tal qual um vulcão de sentimentos.
Desconhecia o perdão e vivia ainda no tempo
da Lei de Talião, como se olho por olho, dente por dente fosse uma determinação
divina permanente em tempos tão carentes de amor e compreensão. Para ela, amar
o próximo como a si mesmo era uma expressão de menor importância. Se espelhava
nos vitoriosos e naqueles bem de vida financeira, menosprezando os pequenos e os
machucados pelos próprios erros, principalmente os sangue de seu sangue.
Malhar em ferro frio é uma expressão
popular que significa perda de tempo com alguma coisa que não vai mudar. Todos ao
seu redor tinham essa imagem dela, e cada vez mais se afastavam em busca da
própria paz. Os poucos que permaneciam, por amor ou obrigação, estavam sem
saber o que fazer para sanar situação tão delicada, alguns, inclusive, no
limite da paciência.
Eis que, de maneira imprevista, algo, ou
melhor, alguém, tocou aquele coração endurecido. Uma vida, materializada numa
criança recém-nascida que lhe foi oferecida como afilhada, clareou seus passos.
A pequena criatura tão carente de afeto e cuidados foi o bálsamo que o universo
colocou em seu caminho, fazendo florir um porvir que estava encoberto por seus
próprios desencontros internos.
Amar o afilhado foi o suficiente para espargir
um novo olhar ao redor de si. A vida passou a ter um significado diferente. Na verdade,
voltou a ter sentido. Deixou de ser uma mera repetição de gestos robotizados
impulsionados por padrões mecanizados para se tornar algo tangível, pois movido
pela maior força universal: o amor.
É por isso que se diz que Deus escreve certo
por linhas tortas. Seus desígnios são impenetráveis, mas quando permitimos que
eles se manifestem são tão grandiosos que surpreendem até mesmo os mais
incrédulos.
Simples assim, por incrível que pareça.
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