quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Sofrimento e redenção



        Quem gosta de sofrer?

Ninguém é a resposta mais provável.

Muita gente parece carregar o mundo nas costas, assumindo responsabilidades como se fosse a única pessoa em bilhões capaz de resolver alguma coisa, parecendo que nenhum outro ser humano pode cumprir determinado encargo, e se o fizer não será da maneira correta.

        A ilusão de ser melhor e mais capaz do que seu vizinho de caminhada planetária permeia o cotidiano daqueles que sofrem sem saber os reais motivos. Culpam as estrelas por tudo que acontece, e não olham para o próprio rastro maculado pela imperfeição que acreditam que só esteja presente em terceiros supostamente incapazes.

        Dessa maneira vivia aquela mulher. Com pouco mais de 30 anos sua expressão sombria não conseguia esconder toda a carga que lhe encurvava os ombros. Não tinha um dia de paz. Aparentemente mantinha o controle das situações, mas sua raiva incontida denotava a aflição subterrânea prestes a explodir, em palavras e atos, tal qual um vulcão de sentimentos.

        Desconhecia o perdão e vivia ainda no tempo da Lei de Talião, como se olho por olho, dente por dente fosse uma determinação divina permanente em tempos tão carentes de amor e compreensão. Para ela, amar o próximo como a si mesmo era uma expressão de menor importância. Se espelhava nos vitoriosos e naqueles bem de vida financeira, menosprezando os pequenos e os machucados pelos próprios erros, principalmente os sangue de seu sangue.

        Malhar em ferro frio é uma expressão popular que significa perda de tempo com alguma coisa que não vai mudar. Todos ao seu redor tinham essa imagem dela, e cada vez mais se afastavam em busca da própria paz. Os poucos que permaneciam, por amor ou obrigação, estavam sem saber o que fazer para sanar situação tão delicada, alguns, inclusive, no limite da paciência.

        Eis que, de maneira imprevista, algo, ou melhor, alguém, tocou aquele coração endurecido. Uma vida, materializada numa criança recém-nascida que lhe foi oferecida como afilhada, clareou seus passos. A pequena criatura tão carente de afeto e cuidados foi o bálsamo que o universo colocou em seu caminho, fazendo florir um porvir que estava encoberto por seus próprios desencontros internos.

        Amar o afilhado foi o suficiente para espargir um novo olhar ao redor de si. A vida passou a ter um significado diferente. Na verdade, voltou a ter sentido. Deixou de ser uma mera repetição de gestos robotizados impulsionados por padrões mecanizados para se tornar algo tangível, pois movido pela maior força universal: o amor.

        É por isso que se diz que Deus escreve certo por linhas tortas. Seus desígnios são impenetráveis, mas quando permitimos que eles se manifestem são tão grandiosos que surpreendem até mesmo os mais incrédulos.

        Simples assim, por incrível que pareça.

         

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