Nada tenho contra o estilo de vida das
pessoas, pois sou totalmente favorável à liberdade individual. Cada um faz o
que quiser, respeitado o meu direito de escolha também.
Na parte alimentar, por exemplo, teve
uma época em que fui adepto da dieta naturalista, sem nenhum tipo de proteína
animal no cardápio. Rapidinho emagreci uns 10 quilos. O impacto foi acentuado
na minha aparência, ao ponto de a vizinha perguntar à minha mulher: “Seu marido
está com Aids”?
Hoje em dia não como carne bovina e nem
tomo refrigerantes ou sucos industrializados. Mas ainda não resisto a um
docinho, principalmente chocolate, ou a uma suculenta pizza e até mesmo a um
crocante pernil assado. Fraquezas, ou não, dependendo do ponto de vista, da
natureza humana.
Mas essa pequena introdução é tão
somente para contextualizar uma experiência relatada por um amigo meu.
Recentemente, ele viajou para o Nordeste, onde iria participar de um encontro religioso, e foi hospedado pela organização do evento na
residência de um irmão de fé. No caminho do aeroporto até a casa dos anfitriões
ficou sabendo que o casal era adepto do veganismo, aquela prática de se abster
do uso de produtos de origem animal, inclusive ovos, leite ou mel.
Consumidor contumaz de gordurosos
sanduíches e frituras de todas as espécies, o meu camarada sentiu um arrepio na
espinha e ficou imaginando o que lhe esperaria. Na sala da casa teve a
impressão de estar na Índia, tal a profusão de enfeites com elefantes, desenhos
hindus e cheirinho de incensos diversos, conforme é tradição da cultura ayurveda.
Sentiu-se mais animado quando foi informado
que, em consideração à pessoa dele, seria aberta uma exceção e, junto com a
moqueca de banana e o risoto de alho-poró, teria direito a um frango grelhado,
quer dizer, não UM frango, mas um pequeno pedaço de peito. Para beber, já que
os veganos não ingerem líquidos durante a refeição, foi presenteado com meio
copo de suco de uva diluído em água.
Estava presente à ocasião a sogra do rapaz, que
já algum tempo morava na casa da filha. Conversa vai, conversa vem, ficou
sabendo que a senhorinha tinha sido compelida a aderir também ao estilo
alimentar dos dois, e até gostava, mas sentia falta de uma pequena coisa: Leite
Ninho. Ela tinha o costume de diariamente se deliciar com uma colher de sopa
daquele produto lácteo, abominado pelos veganistas.
Num impulso de quem quebra os grilhões da
opressão, meu amigo iniciou um discurso sobre a liberdade de escolha, a
felicidade que vem das pequenas coisas e o direito inalienável de os idosos
manterem, na medida do possível, seu próprio jeito de ser. E proclamou que a
partir daquele momento estava restaurado o consumo diário de uma colher de sopa
de leite Ninho a favor da velhinha, cujo olhos brilhavam de tanta emoção. Ainda
incrédula, quis confirmar: “Vou poder, então, comer meu leite Ninho novamente”?
“Pode, sua filha vai, com esse singelo gesto, mostrar o amor que sente pela
senhora”. E a moça, sorrindo, aquiesceu.
Em tempo: meu amigo, na primeira oportunidade,
numa ida a um shopping da cidade, passou para dentro um balde de frango frito
do KFC.
Ninguém é de ferro.
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