segunda-feira, 21 de junho de 2021

Chuva amazônica

 


         Se existe algo nesse planeta similar ao dilúvio que arrastou a Arca de Noé por 40 dias e 40 noites é o período de chuvas semestrais na floresta amazônica, que na região se chama de inverno.

 

         É claro que não chove tantos dias seguidos conforme o relato bíblico, mas quando o nível de umidade relativa do ar chega à 85%, 90% as nuvens descarregam água com tanta intensidade que, às vezes, se tem a nítida sensação de que talvez fosse bom estar perto de alguma embarcação.

 

         Mesmo assim, existem os incrédulos. Aquele empresário paulista era um. Por conta de negócios, estivera alguma vezes em Manaus e em Rio Branco e se gabava de nunca ter visto “essas chuvas todas” que os habitantes locais relatavam.

 

         Um amigo, incomodado com tanta petulância, resolveu pregar-lhe uma peça. Pesquisou qual o período de maior índice pluviométrico e organizou uma excursão para a data encontrada, chamando o convencido para participar, que, “sabe de nada inocente”, aceitou.

 

         Na época aprazada o aparato estava pronto. Dois mateiros experientes foram contratados, um jumento levava alimentos e utensílios necessários e a jornada teve início. O projeto era acampar uma noite e na manhã seguinte caminhar até uma colocação de seringueiro seis horas distante e voltar ao ponto de partida.

 

         Quando o dia amanheceu, parecia que nem havia sol. Nimbus espessas e escuras cobriam todo o horizonte e pouco depois do café da manhã os primeiros pingos molhavam o acampamento. Com pouco tempo de pernada a chuva caía gostosamente, sem dó e nem piedade, molhando tudo o que se encontrava abaixo. Parecia que o próprio espírito estava ensopado.

 

         O descrente cidadão começou a desconfiar que tinha entrado numa canoa furada. A bota importada que havia comprado especialmente para a ocasião, com todo o aparato tecnológico de uma propaganda enganosa, afundava no terreno lamacento e ficava presa como se garras invisíveis a segurasse, dando aquela sensação de um peso quase insuportável.

 

         Os amazônidas, por sua vez, deslizavam, literalmente, pela trilha alagada com seus sapatos feitos de látex extraído das seringueiras. Eram surfistas caboclos em seu ambiente natural, patinadores ecológicos completamente adaptados a uma situação extrema e que, para eles, não tinha nada de espantoso.

 

           Exaurido e despido de qualquer vaidade, o paulistano entregou os pontos. Ao chegar, com muito custo, na modesta habitação nos confins daquele seringal que marcava o ponto final da aventura, jogou-se, sem nenhuma cerimônia, no assoalho de paxiúba, e clamou que o deixassem ali mesmo, pois queria morrer em paz, mas seco, pois, como se o tempo tivesse sido cronometrado, a torneira do céu havia sido fechada.

 

         Voltou no lombo do jumento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário