Se existe algo nesse planeta similar ao dilúvio que arrastou a Arca de Noé por 40 dias e 40 noites é o período de chuvas semestrais na floresta amazônica, que na região se chama de inverno.
É claro que não chove tantos dias
seguidos conforme o relato bíblico, mas quando o nível de umidade relativa do
ar chega à 85%, 90% as nuvens descarregam água com tanta intensidade que, às
vezes, se tem a nítida sensação de que talvez fosse bom estar perto de alguma
embarcação.
Mesmo assim, existem os incrédulos.
Aquele empresário paulista era um. Por conta de negócios, estivera alguma vezes
em Manaus e em Rio Branco e se gabava de nunca ter visto “essas chuvas todas”
que os habitantes locais relatavam.
Um amigo, incomodado com tanta
petulância, resolveu pregar-lhe uma peça. Pesquisou qual o período de maior
índice pluviométrico e organizou uma excursão para a data encontrada, chamando
o convencido para participar, que, “sabe de nada inocente”, aceitou.
Na época aprazada o aparato estava
pronto. Dois mateiros experientes foram contratados, um jumento levava alimentos
e utensílios necessários e a jornada teve início. O projeto era acampar uma
noite e na manhã seguinte caminhar até uma colocação de seringueiro seis horas
distante e voltar ao ponto de partida.
Quando o dia amanheceu, parecia que nem
havia sol. Nimbus espessas e escuras cobriam todo o horizonte e pouco depois do
café da manhã os primeiros pingos molhavam o acampamento. Com pouco tempo de
pernada a chuva caía gostosamente, sem dó e nem piedade, molhando tudo o que se
encontrava abaixo. Parecia que o próprio espírito estava ensopado.
O descrente cidadão começou a
desconfiar que tinha entrado numa canoa furada. A bota importada que havia
comprado especialmente para a ocasião, com todo o aparato tecnológico de uma
propaganda enganosa, afundava no terreno lamacento e ficava presa como se
garras invisíveis a segurasse, dando aquela sensação de um peso quase insuportável.
Os amazônidas, por sua vez, deslizavam,
literalmente, pela trilha alagada com seus sapatos feitos de látex extraído das
seringueiras. Eram surfistas caboclos em seu ambiente natural, patinadores
ecológicos completamente adaptados a uma situação extrema e que, para eles, não
tinha nada de espantoso.
Exaurido e despido de qualquer vaidade, o
paulistano entregou os pontos. Ao chegar, com muito custo, na modesta habitação
nos confins daquele seringal que marcava o ponto final da aventura, jogou-se,
sem nenhuma cerimônia, no assoalho de paxiúba, e clamou que o deixassem ali
mesmo, pois queria morrer em paz, mas seco, pois, como se o tempo tivesse sido cronometrado, a
torneira do céu havia sido fechada.
Voltou no lombo do jumento.
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