O entardecer na praia do Morro nesses
dias que antecedem o inverno estão particularmente esplendorosos.
O mar, naquela cor ciano entre o verde
e o azul, convida para um mergulho, principalmente quando o vento sul não está
assobiando entre os prédios que ocupam a orla como se fossem gundans de
concreto e vidro dos animes japoneses.
Famílias inteiras, idosos e jovens, uns
correndo, outros nem tanto, apreciam o visual e aproveitam para inalar aquele
ar salgado que a maresia espalha. Uma perfeição natural próxima do paraíso, se
não fosse a intervenção humana, pelo menos daqueles desavisados que acham que o
mundo tem como centro o próprio umbigo.
Por exemplo. O grande calçadão tem
pista específica para ciclistas e um espaço próprio para pedestres. E o que
acontece? Caras de pau de todas as idades ocupam a área dos passantes com suas
bicicletas, alguns até pedalando em alta velocidade, como se estivessem
disputando uma prova contrarrelógio em algum velódromo olímpico.
Mais um. Placas diligentemente
colocadas pelas autoridades municipais indicam a proibição de futebol na areia
da praia, uso de aparelhos de som e passeios com cachorros. Muito bom na
teoria. Na prática, o que se vê? Bolas e mais bolas alçadas despreocupadamente, caixinhas estremecendo com
tantos agudos e caninos variados despejando excrementos entre um latido e
outro.
Não é fácil lidar com gente,
principalmente gente mal-educada, que faz dos espaços públicos um local de
demonstração da sua incapacidade de convivência social, o que, na atual
conjuntura, não é de se estranhar, considerando os (maus)exemplos que algumas “otoridades”
estão dando em relação às situações atuais enfrentadas pelo país.
Mas, voltando ao que me motivou a
escrever essa crônica: os hippies da praia do Morro. Sim, eles ainda existem. Mais
ou menos uns cinco ou seis, entre homens e mulheres, com seus longos cabelos e
vestimentas cheias de franjas, estavam ali, vendendo artesanato variado e
mantendo viva, ainda que precariamente, a chama radiante do movimento dos
anos 60/70 que, nascido nos Estados Unidos, defendia a ruptura com o status
quo e a prática da paz e do amor.
É até, digamos, interessante esse
sentido utópico de liberdade individual, inexistindo amarras familiares ou
laborais, percorrendo estradas sem destino. As coisas, porém, na minha modesta
opinião, não são estáticas, apesar de Belchior ter cantado que “ainda somos os
mesmos/e vivemos como os nossos pais”, o que, para os hippies, deve ser uma
afronta.
Contudo, nada contra, pois cada um tem
o direito de fazer o que quiser da própria vida, pelo menos depois que tiver um
mínimo de discernimento para tal. Mas vendo aqueles jovens ali no calçadão,
fico imaginando que perspectiva o futuro reserva para eles. Voltarão à casa
paterna em busca de socorro? Ou serão mais uns vivendo da caridade alheia e
dormindo em bancos de praças? Mas até que eles pareciam alegres e convictos da
opção que fizeram. Piores são aqueles, nas grandes cidades, sem escolas, com fome
e entregues à própria sorte, o que, muitas vezes, leva ao desespero e ao crime.
Até quando? Ninguém sabe.
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