terça-feira, 6 de junho de 2023

Catarse

 


Madame estava simplesmente abismada. Tremia de tanta raiva. Não conseguia entender como aquela situação inusitada poderia acontecer justamente com ela, logo ela, tão ciosa e cumpridora de seus deveres. Será que aquelas pessoas não entendiam sua posição de vítima? Jamais tinha passado por momento de tanta humilhação.

 

Convidada de honra para o casamento da filha de uma querida amiga, procurou, como de costume, se organizar com meses de antecedência. Através da empresa Hurb, que era considerada top no turismo brasileiro, fez a reserva de quarto num hotel da cidade onde a cerimônia seria realizada, pagou os valores indicados e ficou tranquila, passando a cuidar de outros detalhes, tais como roupas e demais apetrechos necessários à ocasião.

 

Ao chegar, fez o check-in e foi admitida sem maiores problemas. Cansada da longa viagem de avião foi dormir. A noite de sono agradável se transformou numa manhã de pesadelo, quando foi acordada abruptamente por uma funcionária do estabelecimento dizendo que deveria sair do quarto imediatamente. A Hurb descumpriu o acordo comercial e a diária não tinha sido quitada conforme previsto.

 

Sem poder raciocinar direito ante a pressão da atendente, juntou seus pertences (como era uma ocasião especial tinha levado umas duas ou três malas a mais do que o costume) e saiu. Nem teve tempo de pentear os cabelos, muito menos tomar um mísero cafezinho. Na porta do quarto, sem a menor cerimônia, a funcionária imediatamente trocou a senha de acesso.

 

Foi para a recepção do hotel procurar entender a situação vexatória. Soube, então, que para continuar sendo atendida teria que pagar novamente as diárias que já havia quitado, pois a hospedagem estava suspensa por conta do calote da agência que havia intermediado a negociação. Subiu nas tamancas, esperneou o tanto que pode, rodou a baiana, mas a infeliz recepcionista nada podia fazer. Eram ordens do patrão.

 

Para garantir seus direitos, gravou toda a conversa. Depois de longos minutos de debates inconclusivos, resolveu pagar o que estava sendo cobrado e buscar na via judicial o ressarcimento do prejuízo. Juntou as malas, chamou um conhecido para lhe dar uma carona e foi em busca de outro local onde ficar.

 

No caminho, seu estado de tensão era visível e o amigo procurou ajudá-la, incentivando que desabafasse, botasse para fora aquela indignação, não deixasse que aquele desconforto atrapalhasse seu final de semana. “Grite”, disse ele. “Fale um palavrão”, o que não era seu costume, tal o seu recato.

 

Sentindo um vórtice de energia em movimento dentro de si, subindo do plexo solar em direção ao coração, que batia acelerado, se encheu de coragem e exclamou a plenos pulmões: “PUTA QUE PARIU!”

 

O alívio foi tanto que parecia flutuar. Entrou no novo hotel com a cabeça erguida, apesar do penteado ainda desalinhado, mas nada que uma boa escovada não desse jeito. A paz voltou, mas aqueles filhos da mãe, pensou, não perdem por esperar. No mínimo, uns 10 mil reais de indenização por aquele sofrimento. Afinal, precisa se dar ao respeito.

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