sexta-feira, 17 de maio de 2024

Legados

 


Parece, e não só parece, mas é uma realidade, que quanto mais velho a gente fica, mais aumenta a possibilidade de termos que lidar com a morte de algum ente querido (pais, mães, tios, parentes em geral e até amigos da mesma idade, mais velhos ou mais novos).

O fim da existência humana é um tremendo paradoxo, pois nascemos no caminho da morte, e vivemos sabendo dessa irreversibilidade. Porém, não é fácil encarar esse fato do qual inexiste a possibilidade de escapar.

Preparar a gente mesmo e aqueles que nos cercam para o fim é um desafio da humanidade. Muitas culturas, desce cedo, têm esse cuidado, e o falecimento de alguém não é encarado com desespero ou lamúrias. Outras, fazem do choro descontrolado uma forma de lamento.

Recentemente, acompanhei quatro (três homens e uma mulher) irmãos e meus amigos queridos ao velório e sepultamento do pai deles. A firmeza e controle da família muito me impressionou. Apesar da tristeza natural daqueles momentos, nenhum deixou que a dor tomasse conta de forma incontrolável.

Naquela cidade do interior baiano, onde o ele era médico, constatei positivamente algo que sempre me preocupou, e que vi acontecer também com meu próprio pai, 20 anos atrás: qual o legado que fica?

Tanto o pai dos meus amigos quanto meu próprio pai foram homens simples, mas que buscaram, nos seus respectivos ramos de atuações, dar o melhor de si mesmo e fazer o bem por seus semelhantes. As imperfeições que temos, no caso deles, foram superadas pelas boas qualidades, sempre colocadas à frente.

Vi o cortejo fúnebre passar diante dos dois hospitais onde o médico abnegado trouxe ao mundo centenas de crianças, provavelmente milhares, e constatei a comoção verdadeira que aquelas pessoas – funcionários administrativos, técnicos, auxiliares, enfermeiros e médicos – estavam sentido, tudo demonstrado nas palavras que foram ditas e nas lágrimas derramadas. Num deles, pétalas de rosas foram lançadas sobre o carro funerário.

Além disso, no templo espírita religioso da fé que ele escolheu para si, que é a minha também, depoimentos comovidos marcaram o reconhecimento àquele que iniciou, décadas atrás, renunciando, muitas vezes, a atender às suas próprias vontades, agindo em função dos outros e não por interesse próprio, um trabalho que cresceu e frutificou em todo o sul da Bahia.

Portanto, já que morreremos inevitavelmente quando a hora chegar, façamos igual a esse cidadão de bem, e a muitos outros que aqui também passaram e os que ainda estão pelejando em cima da Terra: pratiquemos o bem, sem interesse e sem olhar a quem, pois a recompensa virá, seja nesse plano material ou seja no plano espiritual, onde hoje se encontra, amparado por Deus, o Dr. Caio Mário Ferraz da Silva.

E façamos conforme ensinou Santo Agostinho: “A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho. Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.”

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Mazelas

 


Enquanto o Rio Grande do Sul desmorona diante de uma tragédia hídrica jamais vista naquelas paragens, causando sofrimento e danos a milhares de gaúchos, sem contar as centenas de pessoas mortas e/ou desaparecidas, a mídia divulga que, no ano passado, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional reservou 67% dos recursos destinados à prevenção de enchentes (R$ 78,4 milhões empenhados no total) à Prefeitura de Maceió para um projeto de contenção de encostas.

O noticiário faz ilação com o fato de a capital alagoana ser a terra natal do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e questiona o motivo de R$ 52,7 milhões terem sido separados para um reduto eleitoral daquele apontado como eminência parda da República. O texto ainda informa que a assessoria do prefeito atestou que o dinheiro não foi disponibilizado, pois tudo depende da entrega dos projetos para posterior licitação, contratação e execução.

Quero crer que exista verdadeiramente essa necessidade de atender ao povo potiguar, mas me causa espanto o fato de verbas de um orçamento nacional, oriundas dos impostos que eu, você, nós pagamos, estejam à disposição de uma única pessoa, que possa decidir sobre a sua aplicação da maneira que quiser. Talvez fosse mais sensata uma distribuição proporcional a todos os entes federativos, onde critérios técnicos superem os acordos políticos de momento. Me parece mais justo.

E já que estamos falando de orçamento público e de justiça, outra notícia um tanto surpreendente veio do Estado de Rondônia, minha terra do coração. Circulou a informação de que algumas dezenas de ilustres magistrados do Tribunal de Justiça rondoniense fizeram jus, no mês de fevereiro passado, a um robusto contracheque de algo em torno de 1 milhão de reais líquidos. Tudo amparado por normas, resoluções e procedimentos administrativos os mais escorreitos, apesar do limite constitucional de que, no serviço público, a maior remuneração não pode ultrapassar a de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Gente, me perdoe aborrecê-los com essa crônica, mas o Brasil é, realmente, um país surpreendente. Quando se pensa que já se viu tudo, a história se repete, pois esse tipo de situação não está acontecendo pela primeira vez. Aqui e acolá algo vem à tona, mas o que se faz por debaixo dos panos é muito maior, imagino, do que esses acontecimentos que escapam do sigilo dos bastidores, dos gabinetes e dos conchavos. Até quando, me pergunto, haverá dinheiro público suficiente para atender a tantos desmandos?

Dizem que o Brasil tem um povo cordial, mas o país não pode continuar deixando sumir ralo abaixo tanto dinheiro assim, como se fosse uma empresa qualquer que estivesse distribuindo dividendos aos seus maiores acionistas, a elite. A paciência tem limites, diz o dito popular, e temo que, um dia, alguém consiga convencer a população, e já tentaram isso recentemente, que é melhor quebrar tudo e começar do zero do que ficar calado carregando nas costas os insensíveis aproveitadores que só pensam em si mesmo e esbanjam gastando com óleo de peroba para lustrarem a imensa cara de pau defendendo o indefensável.